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A falência do modelo de negócios das livrarias


Por Eduardo Villela

Publicada em 1981, ”Crônica de uma Morte Anunciada”, uma das obras primas do colombiano Gabriel García Márquez, ironicamente poderia se tornar a manchete que retrata a crise atual dos mercados editorial e livreiro no Brasil. Para muitas pessoas, a notícia da situação financeira das livrarias Saraiva e Cultura foi recebida com surpresa, mas para quem é do setor, o cenário já era há tempos anunciado.

Com quase 15 anos de atuação como editor e Book Advisor, pude acompanhar de perto o comportamento do mercado de livros no país e, dessa forma, perceber que a raiz do problema está no modelo ultrapassado de relação comercial entre editoras e livrarias. Por ordem de importância, destaco algumas das principais razões que impulsionaram a queda dessas redes varejistas e de muitas outras livrarias.

O impacto negativo da consignação

Diferente de outros segmentos da economia, a negociação comercial entre livrarias e editoras é regida pela consignação. Explico de uma maneira simples: a consignação acontece quando as editoras enviam quantidades de exemplares impressos de seus livros para as livrarias e as livrarias não pagam nada por esses livros. Ou seja, elas não compram os livros, que continuam pertencendo às editoras. Elas simplesmentes abrem espaços em suas prateleiras e demais móveis expositores e colocam ali as obras que receberam das editoras à venda.

A princípio, esse modelo pode parecer vantajoso, mas não é. Como as livrarias não compram os livros e os exemplares das obras que colocam à venda em suas lojas pertencem às editoras, o seu nível de comprometimento em comercializá-los deixa muito a desejar. Isso é ruim, já que não basta apenas disponibilizar os livros nas estantes, é preciso realizar esforços e ações consistentes em loja que incentivem o leitor a adquiri-los. Só se empenha 100% na venda de um produto aquele varejista que efetivamente compra de seu fornecedor!

Nesse modelo comercial, todo início de mês, as livrarias devem prestar contas às editoras reportando o número de exemplares vendidos de cada um de seus livros durante o mês anterior. A partir daí, as livrarias ficam com uma margem média de 35% a 60% do preço de capa do livro e acertam o valor restante com as editoras em um prazo que pode variar entre 30 a 120 dias.

Reposição de estoque

Outro ponto importante dessa crise está na ineficiência de controle e reposição de estoques das livrarias. Consequência direta do modelo de consignação, o processo para o reabastecimento de livros é moroso, o que faz com que o leitor muitas vezes não encontre a obra que procura ao visitar uma livraria. É o famoso: “Está em falta, senhor”. A consequência disso, além da frustração do consumidor, é a queda nas vendas.

Tal problema estaria solucionado se houvesse a adoção por parte das livrarias de um sistema integrado de estoques com as editoras, assim como acontece em outros setores, como o supermercadista. Essa é uma demanda antiga que as editoras solicitam às livrarias. No caso dos supermercados, o fabricante de detergente, por exemplo, ao acessar o seu sistema que é diretamente conectado ao sistema da empresa de supermercados, consegue acompanhar quantas unidades do produto foram vendidas diariamente ou semanalmente, bem como visualiza o estoque que ainda resta nas lojas. Assim, rapidamente, o sistema do supermercadista informa se é necessária a reposição de estoque e já gera de forma automatizada o pedido de uma nova quantidade de frascos de detergente, não sendo necessário o fornecedor ficar perguntando ao varejista como estão os estoques, quando a reposição ocorrerá e em qual quantidade.

Atendimento ao consumidor

Outro problema que contribui para a crise das livrarias é a baixa qualidade do atendimento aos leitores nas lojas. O turnover de atendentes costuma ser alto, a sua remuneração baixa e eles são mal preparados. Em raros casos, quando um cliente busca um livro de determinado assunto, o atendente consegue orientá-lo adequadamente, fazendo uma indicação certeira. Normalmente, o atendente corre para algum dos computadores da loja, faz uma pesquisa de livros por meio de palavras-chave e desta busca resultam alguns ou vários títulos encontrados, o que deixa ele próprio e o cliente ainda mais confusos. Por conta dessa situação, muitos leitores perdem o tesão de ir até as livrarias, realizam pesquisas de títulos por conta própria e compram pela internet.

Pouca variedade de livros

É notório que nos últimos anos as livrarias têm dado mais espaço e destaque em loja para best-sellers, obras de autores famosos e de temas que estão na moda. A meu ver isso é um problema, pois a concorrência via preço nesses segmentos é bastante acirrada com os sites que vendem livros e entre as próprias redes de livrarias, o que resulta em um achatamento em suas margens.

Além disso, a diminuição gradativa do sortimento de livros nos últimos anos causa perdas importantes de vendas para as livrarias. É frustrante para um leitor entrar em uma livraria com uma lista de livros que procura e não encontrá-los como habitualmente acontece. Novamente, o cliente é incentivado a fazer suas compras online.

É urgente, portanto, ampliar a disponibilidade de obras de assuntos variados, específicos e que estão fora do mainstream nas livrarias.

Promoção de eventos

Outra iniciativa que considero importante é a de criar um calendário de eventos culturais, educativos e de entretenimento mais consistente nas lojas e divulgar melhor estes eventos para o público, seja via redes sociais, e-mail marketing e imprensa. Sessões de autógrafos e atividades para públicos específicos em algumas épocas do ano (ex.: atividades para crianças durante os meses de férias) não são suficientes para que os clientes sempre retornem às lojas. É preciso trazer os escritores com mais frequência às livrarias para palestrar, contar histórias e interagir com os leitores. É necessário ter um calendário diversificado de eventos para diferentes públicos o ano todo.

Mudar esses pontos citados acima é, sem dúvida, um desafio que não se resolve da noite para o dia. É preciso que haja, sobretudo, uma mudança estratégica na gestão de grande parte das livrarias, deixando para trás um modelo falido de negócios que em nada contribui para o desenvolvimento do mercado livreiro no Brasil.

*Eduardo Villela é book advisor e, por meio de assessoria personalizada, ajuda pessoas a escrever e publicar suas obras. Mais informações em www.eduvillela.com

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